quarta-feira, 2 de novembro de 2011

[Resenha] Alfabetizar e letrar: um diálogo entre a teoria e a prática

Alfabetizar e letrar: um diálogo entre a teoria e a prática segue a risca o conceito que carrega em seu nome. Desde o primeiro capítulo, a autora desenvolve uma conversa gostosa com os educadores que se propõem a ensinar as Letras a crianças, jovens e adultos. 

Dividindo sua obra em três partes, Marlene Carvalho consegue esclarecer as dúvidas e angústias dos professores. A princípio (na parte I), o livro trata dos métodos de alfabetização. Logo em seu primeiro capítulo, a autora nos induz a uma reflexão sobre a visão que temos da alfabetização, resgatando relatos de como escritores famosos (Ana Maria Machado e Graciliano Ramos) aprenderam a leitura e a escrita. Seguem ainda dois capítulos que se contrastam: um dedicado aos métodos sintéticos de alfabetização (soletração, silabação, fônicos) e outro aos métodos globais (de contos; ideovisual, de Decroly; natural, de Freinet; de base linguística ou psicolinguística; natural, de Heloisa Marinho; método Paulo Freire*). Finalizando esta parte, têm-se mais dois capítulos dedicados ao trabalho com texto na alfabetização (sejam eles orais ou escritos) e exemplos de lições de leituras. Falando do trabalho com textos, pode-se destacar o empenho de Carvalho em sanar dúvidas sobre como se preparar para ensinar a leitura e a escrita, como escolher um texto e saber qual deles é o melhor tipo de para determinada atividade. Já a cerca das lições de leitura, os dois exemplos citados nesse capítulo, ilustram bem como articular a teoria com a prática, comparando atividades proposta a partir dos métodos de alfabetização anteriormente apresentados. 

A segunda parte da obra dedica-se ao letramento e começa justamente desmistificando e desmembrando o que é “alfabetizar” e o que é “letrar”. A seguir encontramos reflexões – sempre pautadas em exemplos e/ou experiências – sobre como formar leitores que sejam críticos a ponto de saber interpretar o que por eles é lido. Temos também três capítulos dedicados à inserção de três gêneros de textos em sala de aula: histórias, poesia e carta. Com exemplos de atividades Marlene Carvalho mostra como os diversos textos podem ser (melhor) explorados pelas crianças, jovens e adultos, mesmo que eles não dominem completamente a leitura e a escrita. 

Já na terceira parte; tem-se, então, um diálogo da teoria com a prática, que traz falas de alunos, professores e outros pesquisadores do processo. Nesta parte encontram-se depoimentos (relatando o ponto de vista não apenas das professoras, mas também o que os alunos pensam sobre o ato de ler), textos feitos por educandos e criações literárias que nos fazem pensar não só sobre o papel da alfabetização e do letramento em nossa sociedade, mas também sobre como o professor responsável por este processo é visto pela sociedade e por si mesmo. 

O que chama a atenção nesta obra relaciona-se ao fato de tudo isto ser explicado de forma simples e direta. Tudo aquilo que é dito pelos grandes pensadores (Freinet, Freire, Vygotsky, Piaget, Ferreiro, Morin, Perrenoud e tantos outros citados) é articulado à prática da realidade vivida pela maioria das professoras de nosso país (que trabalham em dois ou mais turnos e/ou escolas para ter um salário que as sustentem, que não se sentem preparadas para alfabetizar, que recebem alunos com todos os problemas psicológicos e socioeconômicos possíveis, que não participam de um programa de formação continuada ou que ao participar de algum curso sobre a temática são obrigadas a “engolir goela abaixo” as teorias ali vistas, que sofrem preconceito pela escolha de sua profissão etc.). É notável como Marlene Carvalho faz a teoria ser vista na prática de uma forma natural, envolvente e como ela consegue desmistificar tudo o que os grandes pensadores pensam para mostrar que é possível fazer uma educação de qualidade, mesmo com tantas adversidades. 

Outro ponto de destaque está no empoderamento que a autora defende que o professor tenha. Para ela, o docente deve ter liberdade de escolher quais teorias seguir – e de mesclar o que pensa ser necessário –, deve também ter o direito de construir seu material, de trocar ideias com outros docentes, de buscar novos caminhos. Ao contrário do que muitas vezes acontecem, os educadores não devem apenas aceitar o que vem das universidades (muitas vezes como fruto de pesquisas), mas sim procurar novos caminhos, tentar entender as suas práticas – sistematizando e compartilhando o resultado destas reflexões – ser não só professor, mas assumir um papel de professor-reflexivo. 

Por fim, mas não menos importante, deve-se destacar que este livro abre caminho para o aprofundamento de novas pesquisas relacionadas ao assunto, uma vez que ao final da maior parte dos capítulos há referências bibliográficas nos instigando prosseguir por novas veredas. 

Ficha Técnica: 
Obra: Alfabetizar e letrar: um diálogo entre a teoria e a prática 
Autora: Marlene Carvalho 
Editora: Vozes 
Número de páginas: 142 
Ano da publicação: 2005 
________________________
*A respeito da parte relativa a Freire, deve-se lembrar que, embora Marlene de Carvalho se refira a um “Método Paulo Freire”, as ideias de tal autor não constituíam somente desta forma. Conforme o próprio Paulo Freire defende, sua teoria ultrapassa as barreiras de um método, ela é epistemológica e objetiva a formação de um sujeito que, além de ler as palavras, leia o mundo (ou seja, conheça seus direitos e deveres e contribua para a sociedade de uma forma justa, ética e consciente, libertando-se do papel de oprimido): 
"A realidade não pode ser modificada, senão quando o homem descobre que é modificável e que ele pode fazê-lo. É preciso, portanto, fazer desta conscientização o primeiro objetivo de toda educação: antes de tudo provocar uma atitude crítica, de reflexão, que comprometa a ação”.
(Paulo Freire)

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Related Posts Plugin for WordPress, Blogger...