“A vida social é um processo dinâmico, onde cada sujeito é ativo e onde acontece a interação entre o mundo cultural e o mundo subjetivo de cada um. Neste sentido, e novamente associado a sua filiação marxista, Vygotsky postula a interação entre vários planos históricos: a história da espécie (filogênese), a história do grupo cultural, a história do organismo individual da espécie (ontogênese) e a sequência singular de processos e experiências vividas por cada indivíduo”. (Marta Kohl)
Nesta semana, durante o debate sobre a relação professor-aluno, na aula de Práticas e Projetos Educacionais, acabei – sem querer – levantando uma “polêmica”. Todos falavam sobre a importância de saber o conteúdo que o aluno já sabe, quando inferi sobre a importância de conhecer o educando além da técnica por ele trazida; pois, para mim, entender o histórico de vida de cada discente ajuda a pensar na melhor forma de propor as atividades. De prontidão, uma das colegas de turma argumentou que “é impossível conhecer todos os alunos de todas as turmas para as quais leciono. Na escola pública são mais de 45 alunos por sala...”. Do meu lado, uma colega – que estudou comigo no bacharelado – sussurrou: “com um mês fazendo estágio, já conseguia identificar quem estava feliz, quem estava triste e quais são suas principais características...”. Hoje, enquanto prossigo minha leitura de Pedagogia de Autonomia, de Paulo Freire, deparei-me com seguinte trecho:
“A resistência do professor, por exemplo, em respeitar a “leitura de mundo” com o educando que chega à escola, obviamente condicionada por sua cultura de classe e revelada em sua linguagem, também de classe, se constitui um obstáculo à experiência do conhecimento. Respeitar a “leitura de mundo” do educando, como tenho insistido neste e em outros trabalhos, saber escutá-lo, não significa, já deixei isto claro, concordar com ela, a leitura de mundo, ou a ela se acomodar, assumindo-a como sua. Respeitar a leitura de mundo do educando ou educadora procura tornar-se simpático ao educando.
É a maneira correta que tem o educador de, com o educando e não sobre ele, tentar a superação de uma maneira mais ingênua por outra mais crítica de inteligir o mundo. Respeitar a leitura de mundo do educando significa tomá-la como ponto de partida para a compreensão do papel da curiosidade, de modo geral, e da humana, de modo especial, como um dos impulsos fundantes da produção do conhecimento. É preciso que, ao respeitar a leitura de mundo do educando para ir mais além dela, o educador deixe claro que a curiosidade fundamental à inteligibilidade do mundo é histórica e se dá na história, se aperfeiçoa, muda qualitativamente, se faz metodicamente rigorosa. E a curiosidade assim metodicamente rigorizada faz achados cada vez mais exatos. No fundo, o educador que respeita a leitura de mundo do educando reconhece a historicidade do saber, o caráter histórico da curiosidade, por isso mesmo, recusando a arrogância cientificista, assume a humildade crítica, própria da posição verdadeiramente científica”. (Paulo Freire)
Parece que meu argumento é infundado, uma vez que o mesmo professor leciona para várias turmas e mal tem tempo de pensar no conteúdo técnico. Entretanto, não consigo ver a ética, a amorosidade, o espírito de cooperação e os demais valores separados dos conteúdos. Isso talvez se deva a minha experiência de aos trabalhando em ONGs. Geralmente, as organizações não-governamentais buscam associar o desenvolvimento humano aos conteúdos artísticos, educacionais, profissionais. Quando planejamos nossas atividades, já criamo-las de forma a identificar quais são os históricos de vida dos educandos, como eles reagem trabalhando individualmente e em grupo, como é o comportamento – se mais ativo ou mais passivo, se mais questionador ou mais calado, se mais disciplinado ou indisciplinado etc... Sei o quando é difícil trabalhar tentando conciliar o conteúdo humano com o técnico de cada disciplina – ainda mais para nós, professores que tivemos nossa vivência como alunos da escola tradicional –, mas também sei o quanto sair do tradicionalismo é gratificante. De qualquer forma, fiquei matutando sobre como seria ter várias turmas cheias para realizar este tipo de trabalho...
Depois que “levantei a bola”, e que minha colega de turma rebateu; nossa professora fez a seguinte colocação: “com um bom planejamento a gente consegue deixar de ser só conteudista: podemos tirar um mês só para conhecermos nossos alunos, para assim trabalharmos melhor o conteúdo”. Não posso de deixar de concordar com a docente. Acredito que seja possível fazer um diagnóstico e vou além: é necessário observar todos os aspectos, incluindo a relação dos pais deste aluno com a escola também faz parte da nossa prática. Um dos caminhos é a reunião com os pais ou responsáveis. Outro, os conselhos de classe. Temos ainda as festas, os passeios...
A história de vida de cada um impacta no andamento da construção de conhecimentos. Quando digo “a história de cada um”, refiro-me também a nós, educadores. Como já disse, para cada um que viveu mais de 11 anos de escola tradicional, é difícil mudar... Difícil, todavia não impossível, desde que se queira. Interagir, dar a cara para bater, “queimar” os neurônios pensando em formas diferentes de inserir o conteúdo dá mais trabalho, mas tem resultados mais eficazes.
Falando na prática, podemos usar dinâmicas, fazer rodas de conversas, produzir textos, desenhar, fotografar, criar painéis, usar as redes sociais (por que não?!) para conhecermos, interagimos e estabelecermos uma relação de confiança e respeito mútuos. Alunos e professores, antes de serem discentes e docentes, são seres humanos e devem ser tratados (e se relacionarem) como tal.
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Referências bibliográficas:
FREIRE, Paulo. Pedagogia da autonomia: saberes necessários à prática educativa. São Paulo: Paz e Terra, 2001. Páginas 119 e 120.
OLIVEIRA, Marta Kohl de. Jovens e adultos como sujeitos de conhecimento e aprendizagem. Trabalho encomendado pelo GT “Educação de pessoas jovens e adultas” e apresentado na 22ª Reunião Anual da ANPEd – 26 a 30 de setembro de 1999, Caxambu.
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