sábado, 30 de março de 2013

Quando você tem que quebrar paradigmas estéticos

Eu e o meu cabelo :P
No começo do ano fui convidada a trabalhar em uma escola cujo o maior público é composto pela colônia
japonesa. Aceitei o desafio, com a animação de aprender um pouco mais sobre a cultura da terra do sol nascente.

De fato, sempre admirei a determinação com que as famílias das minhas amigas e olhos puxados encaravam as diversas adversidades da vida. Por isso, sabia de antemão que aprenderia muitas coisas indo trabalhar lá. 
A equipe toda me recebeu de braços abertos, o que me deixou confiante e feliz para desenvolver o meu trabalho. Entretanto, o que me surpreendeu mesmo, foi o comportamento das crianças. 

Que eu sou diferente delas, isso é fato. Ao contrário do que é arraigado nas diversas culturas de povos imigrantes, minha família é extremamente miscigenada: espanhóis, portugueses e italianos se misturaram à africanos e indígenas. Logo, carrego um pouco de cada um deles, seja no meu jeito (estabanado) de falar alto, seja nos olhos negros ou no cabelo cacheado. E foi justamente esta miscelânea que chocou os meus pequenos. 

Tudo começou no dia em que fui trabalhar com os meus cabelos soltos. Ao passar pela turminha do primeiro ano (aquela com que foi necessário fazer os combinados), ouvi um burburinho cheio de risos abafados e sussurros de “olha o cabelo da teacher”. Depois, ao ir para a sala de aula, uma das alunas disse: “teacher, você parece o Tarzán com esse cabelo”. É claro que a sala veio abaixo com tal comentário. Na hora, respondi que as pessoas são diferentes, que o meu cabelo é assim e que gosto muito dele da forma como ele é. Falei de forma séria e decidida, para que eles percebessem que o assunto é sério e que tal comentário havia sido desnecessário para o andamento da aula. Apesar de eles terem apenas 6 anos, eles captaram a mensagem. 

Com os maiores, a coisa não foi muito diferente. Embora eles tenham sido mais cuidadosos, alguns soltaram um “teacher, como o seu cabelo é diferente!”. E receberam a mesma resposta orgulhosa de quem ainda mantém os cachos. Posso dizer que a reação do primeiro ano me deixou muito chateada, afinal, é triste ver crianças de apenas 6 anos de idade com tamanho preconceito. Foi nítido que eles falaram o que falaram para ofender, não na inocência... 

No fim da semana, apresentei a situação para a coordenadora pedagógica - que também é morena jambo, embora tenha os cabelos lisos - e ela disse que alguns pais a procuraram preocupados com as atitudes preconceituosas dos filhos. Em alguns casos, as crianças aprenderam a serem preconceituosas com os avós, que chegaram do Japão sem querer “se misturar”. A coordenadora também disse que está desenvolvendo com os outros professores um trabalho em que os diversos povos serão apresentados às crianças e valorizados por suas diferentes características e culturas. Por fim ela me pediu algo que eu já estava disposta a fazer: ir com o cabelo solto para escola sempre que possível.

Nas vezes seguintes, algo curioso aconteceu: as crianças quiseram mexer no meu cabelo. Para mim, chegou a ser engraçado, porque elas olhavam com cara maravilhada, de descoberta. Cada vez que elas esticavam um cachinho, o soltavam e o viam se enrolando naturalmente, faziam uma cara de “como isso é possível?”. Então, brincava com elas que sou do tipo: “Puxa, estica, solta, enrola!”

É incrível como num país tão repleto de culturas, este tipo de coisas ainda aconteça. Entendi na pele a importância do artigo da LDB que garante o ensino das culturas afro e indígenas nas escolas. De fato, isso é imprescindível.

2 comentários:

  1. uau! que situação complicada! mais fiquei feliz pela maneira como se saiu dessa situação. Parabéns! fico triste com essa maneira de ver das pessoas. Sou do tipo branquela, mais faço questão de sempre dizer as pessoas que tenho sangue negro nas veias (pq eu tive uma avó que foi escrava) e mostro que amo ser quem eu sou e de onde vim sem vergonha nenhuma.

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    1. É complicado porque há várias questões ai: vamos desde a própria cultura até a mídia que prega as "magras, brancas, loiras de cabelo liso". É complicado para as crianças lidar com isso tudo, ainda mais quando os pais não estão tão atentos, ou - como no caso dos que procuraram a escola - não sabem o que fazer. De qualquer forma, minha presença impôs uma quebra de paradigmas, querendo ou não.
      Lidar com isso tudo não é fácil, mas é importante e necessário. :)

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